Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 29 de maio de 2016

VIDA E MORTE NO ESOTERISMO E NA FILOSOFIA

por Mario Sales FRC, SI, MM






Assistindo a aula no Café Filosófico de Viviane Mosé e seu resumo da obra filosófica de Friedrich Nietzsche, tive uma epifania de porque as Ordens esotéricas tanto me incomodam em seu modus operandi.
Nada a ver tanto com seus objetivos, mas com os conceitos que movem esta busca.
Nitidamente, existe um descompasso entre as concepções esotéricas e o momento filosófico contemporâneo. É como se as reflexões esotéricas estivessem congeladas desde o Iluminismo, visto que, por exemplo, fala-se ainda na Razão e na sua conquista como o grau mais alto de evolução humana possível, sendo que fazem algumas décadas que a Academia e os pensadores refutaram o papel da razão como algo que merece confiança na condição de guia do comportamento.

Viviane Mosé, filósofa nietzschiniana e poeta


Na época em que a razão perdeu seu status de guia etico e moral humano argumentava-se que isso ocorria porque foi racionalmente que produziu-se uma máquina genocida (os campos de extermínio de judeus, dos nazistas, devidamente organizados, bem administrados, utilizando a ciência mais elaborada e limpa em favor do mal) ou ainda, com o uso da ciência, produziu-se armas de destruição em massa, como a Bomba A que dizimou Hiroshima e Nagasaki, modelo de bomba este que, hoje, é apenas o gatilho da Bomba H.
Foi nessa época que a obra e o pensamento de Nietzsche ressurgiu forte, libertando-se da falsa acusação de ter dado as bases filosóficas para a doutrina de superioridade ariana, graças aos equívocos de relacionamento com o Partido Nacional Socialista de sua irmã, responsável pelo seu legado.

Nietzsche


Nietzsche, como Mosé descreve bem, coloca a ciência, ainda no século XIX, sob suspeição de ter sido entronizada no lugar de Deus como novo foco de devoção humana, sendo além de uma prática, uma idealização.
Para as escolas esotéricas e seus rituais, no entanto, a Razão ainda goza de grande prestígio, e isto não é uma questão menor no seu cotidiano, mas uma questão central, que domina os encontros e as iniciações.
Um outro exemplo de anacronismo no discurso interno das ordens iniciáticas é o discurso de “busca da verdade”.
Recentemente, estive em uma loja maçônica em São Paulo orientando uma reflexão sobre a importância do chamado segredo hoje em dia entre as escolas de mistério.
Ao final, durante a fase de debates, um irmão levantou-se e, pomposamente, com o pretexto de fazer uma pergunta, mas de fato querendo mostrar sua erudição, declarou que admirava a filosofia e a sua “busca da verdade última”.
Polidamente retruquei que, a filosofia contemporânea já não busca “A Verdade” fazem algumas décadas, quiçá mais de um século, já que o que importa hoje, aos filósofos pós nietzschianos, é a busca do esclarecimento acerca dos critérios de verdade e sua operacionalização (porque e para que).

Sócrates e Platão


Notei que ele ficou perplexo. Era como se eu tivesse retirado seu chão. Como a filosofia não buscava a Verdade? Como algum saber do conjunto do conhecimento humano não tinha mais como objetivo último a descoberta desse Cálice Sagrado? Vejam, a idealização mística, de um fim último e definido, está entranhada até os ossos mentais deste irmão como de outros, para os quais filosofia ainda é uma atividade especulativa sem nenhum relacionamento com o Mundo da Vida. Talvez por isso a Maçonaria considere aceitável chamar de especulação toda e qualquer idéia absurda que possa ser descrita em templo, como válida, considerando que, dentro da noção anacrônica de filosofia na Maçonaria, a especulação filosófica não tem limites nem quaisquer regras de exercício.
Na maçonaria, a filosofia ainda é também aquela dos gregos pós-socráticos, que pensavam por pensar e não analisavam “O pensar” da maneira que nós hoje o fazemos, com a epistemologia, também chamada teoria da ciência. Na epistemologia, a reflexão filosófica está completamente atrelada ao avanço científico, problematizando-o, instabilizando as certezas provisórias, os postulados, que ajudam os cientistas a pensar.
Se por um lado os maçons acham que a razão ainda ocupa um lugar de destaque, os mecanismos usados por estes mesmos maçons para exercer esta arte da racionalidade são no minimo infantis, do ponto de vista da lógica ou da retórica, já que pressupõem, equivocadamente, que, externar uma opinião sem fundamento representa uma especulação filosófica legítima.
O mais grave de todos os paradoxos, entretanto, é o fato que Mosé ressalta em sua fala. O pensamento pós-socrático é um pensamento estamentado, baseado, como Viviane explica no vídeo, na desvalorização do mundo físico e na hipervalorização do mundo das idéias, com abertura de uma outra possibilidade, a existência de um mundo transcendente, espiritual, perfeito, nobre, digno, em oposição a esse mundo da carne, imanente, imperfeito, vulgar e indigno. Daí a queixa e a acusação de Nietzsche contra Sócrates de que ele realmente retirou dos jovens gregos com seus ensinamentos o respeito pelo que é sólido, presente e real, fazendo-os transformarem-se em sonhadores do porvir, em vez de desfrutadores do devir, o fluxo dos acontecimentos da vida. O pensamento socrático-platônico é um idealismo, que limita a percepção e interfere com nossas opções.
Em um jocoso exemplo, Viviane diz: “ -Eu idealizo a felicidade, e projeto que a felicidade será fazer um cruzeiro com o homem que eu amo.  Só que quando eu chego no navio, o navio balança e eu enjôo, e vomito. Depois percebo que em um camarim minúsculo, meu marido ronca, e muito alto. Então minha idealização se desfaz e dá lugar a um estado de frustração, emoldurado pela frase: ‘tinha que ser comigo, isto só acontece comigo’, como se todas as outras pessoas estivessem fora do fluxo da existência”.
Da mesma forma, por idealismo, Maçons ainda acreditam em valores como Liberdade e Igualdade, da época do século XVIII, duas coisas impossíveis de se realizarem de maneira completa, já que a liberdade não é possível em um mundo de relações, aonde eu não posso, por respeito a uma convivência civilizada, fazer tudo o que quero ou deseje como, da mesma maneira, a única coisa certa entre os homens é que todos são diferentes e não iguais, e, portanto, não se pode, mesmo que se queira, viver em um mundo de “iguais”.
Acima de tudo, entretanto, maçons e também Martinistas, não entendem que vida é fluxo, dinamismo, o que talvez fundamente o mecanicismo exagerado e entediante de seus rituais. Não entendem porque não sabem disso, já que sua visão de mundo é intermediada pelos óculos de Sócrates e Platão, que vêem o Mundo como formado de peças de Lego que se unem para formar estruturas mais complexas, em vez de um mundo semelhante a um fluxo de rio, como Heráclito, um pensador pré socrático, gostava de considerar.
Sem fluxo de sangue nas veias não haveria a Vida. Os tecidos distantes ou próximos do coração feneceriam, pouco a pouco, sem os nutrientes necessários à existência. O sangue flui, o ar flui pela respiração, para dentro e para fora, ininterruptamente. Algo que não flui, não vive, está morto.
Não sei se agora deixei claro a gravidade das questões filosóficas e operacionais maçônicas.
O mundo acelerou e a maçonaria, como outras escolas, ao contrário, colocaram o pé no freio. E chamam o fenômeno de ficar presos a uma forma de pensar anacrônica de "preservar a tradição".
Isso precisa mudar. Pelo bem e pela manutenção dessas ordens, cujas intenções são positivas, mas perigosamente ingênuas e frágeis em um mundo permanentemente em transformação.

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