Multi pertransibunt et augebitur scientia (Muitos passarão, e o conhecimento aumentará).

domingo, 31 de outubro de 2010

TRADIÇÃO E INSTABILIDADE

Por Mario Sales, FRC.:,S.:I.:,M.:M.:



Preservar o conhecimento esotérico é uma prática relativamente simples em princípio, mas complexa na execução.
Trata-se de estudar os textos esotéricos deixados por nossos antepassados, do Egito, da Índia, da Tradição Hebraica e Babilônica. Depois, ler os comentários que foram feitos ao longo de séculos, por cabalistas, ocultistas e sábios místicos de várias regiões do planeta.
E aí então, depois de acumular toda esta informação, proceder a um processo de interpretação e tradução para nosso momento histórico, de forma que possamos passar adiante todo este conhecimento.
Três fases: coletar dados, estudá-los e traduzi-los. Isto é preservar a Tradição, este nome genérico que damos a este cabedal de informações heterogêneas às quais damos um aspecto conceitual de unidade.
É isto que esoteristas e ocultistas têm feito ao longo de séculos.
Já os místicos querem apenas aumentar seu contato com Deus. Para êles, os textos não têm tanta importância, são interessantes, inspiradores, mas tudo que o místico precisa está dentro dele.
De qualquer forma, o Corpo de Ensinamentos que costumamos nomear de a Tradição, é historicamente estável, os textos são os mesmos.
Uma coisa, no entanto, não é estável: a interpretação destes textos e a maneira de explicá-los às gerações contemporâneas.
Não há consenso sobre o significado de todos os textos, muitas das vezes não há esforço algum de interpretação do sentido destes textos.
A Tradição, via de regra, é um conjunto de preceitos morais associada a alguns ensinamentos de ordem prática, que possibilitariam o contato com dimensões paralelas ou a manifestação de dons extraordinários, não no sentido de grandiosos, mas sim exatamente o que o termo extra-ordinário diz, ou seja, incomum.
Mais: a Tradição afirma que existe uma correlação entre esses preceitos morais e a manifestação destes dons, de forma útil à sociedade e ao indivíduo.
Seres humanos que desenvolvem um alto grau de altruísmo e respeito pela vida e pela Criação, costumam desenvolver os dons de que falei há pouco.
Este é o eixo da Tradição: existe uma correlação direta entre elevação moral e poder. Nada a ver com as fantasias de poderes malignos, magos negros ou outros delírios da imaginação humana, sempre tão fértil e criativa.
Ninguém, entretanto, explica isto desta forma.
Na terceira fase do que eu chamei acima de Processo de Preservação da Tradição, a tradução dos dados, produzem-se textos pseudo-explicativos sobre outros textos pseudo-explicativos, com semântica rebuscada e complexa, provavelmente com intenções de dar-lhes um aspecto mais profundo. O resultado é a ampliação do corpo de textos da tradição, sem que possamos chegar a compreendê-los adequadamente.
Ou seja, estamos trabalhando a parte externa dos textos da Tradição, a sua parte exterior, Qlifot, do hebreu קליפות que significa pele ou casca no sentido de matéria ou substância. O singular desta palavra é: קליפה Qlifá ou Qelipá.
Não entramos no coração da Tradição enquanto não imitarmos os místicos, e transcendermos os textos.
Sim, eles são importantes, mas podem nos levar a discutir meras aparências e não a essência do que queremos.
Essa é a diferença entre o Erudito e o Iluminado. O Erudito Esotérico tem muitas informações, mas não consegue transmutá-las e sintetizá-las. Já o iluminado tem a Palavra, ou seja, ele recebe intuitivamente a Sabedoria e daí, tem condições de passar toda a existência narrando esta Sabedoria, na forma de um discurso ou de um conjunto de imagens que seja mais adequado a sua audiência, ao seu público.
A Sabedoria é viva, o texto não, mas podemos através da Sabedoria dar Vida ao Texto, com o sopro de nosso espírito, extraindo dele seu significado mais oculto.
Só que a transformação tem que ser em nós.
Em determinado momento a Erudição não nos auxiliará, mas gerará apenas problemas para todos nós, e para usar uma palavra cartesiana, nos induzirá ao Erro do Orgulho, que nos afastará da Luz.
Esta Vida da Tradição mantém dentro dela um movimento constante, uma Instabilidade Permanente, que uma vez tocada, adapta-se imediatamente a época em que for despertada. A Forma não importa.
A Tradição metamorfoseará sua aparência ao longo das eras tantas vezes quantas forem neessárias para se mostrar de forma clara.
E é exatamente por causa disso, a necessidade de atualização constante deste conhecimento precioso e antigo, que ele se reveste com os trajes do símbolo, a única roupagem capaz de se modificar sem deixar de ser a mesma coisa.
Atentemos a estes aspectos quando discutirmos a Tradição: estamos discutindo, debatendo, com nossos lábios ou com nosso coração? E quando lemos os textos sagrados? Lemos com nossos olhos ou com nosso espírito?
Aí vai estar a diferença entre compreender ou não compreender.
O resto é silêncio.

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